quarta-feira, 2 de julho de 2008
Quais as vantagens dos biocombustíveis?
No aspecto político-económico, a grande vantagem é tornar os países mais independentes dos fornecedores de petróleo, não ficando sujeitos às variações de mercado, cujos preços se prevê que subam cada vez mais.
No plano ambiental, a utilização de biocombustíveis tem como consequência a redução da emissão de GEE (Gases com Efeito de Estufa), responsáveis pelo aquecimento global.
Terceira vantagem: gerar desenvolvimento rural, em especial nos países em desenvolvimento e que têm grande potencial para a produção de biomassa (é o caso dos países Africanos, da América Latina e Central e Asiáticos).
O que torna os biocombustíveis menos poluentes?
Um dos principais problemas ambientais da utilização de combustíveis fósseis como a gasolina e o gasóleo é a emissão de GEE para a atmosfera, em especial o CO2 - existem outros gases mais poluentes, mas o que é emitido em maior escala é o dioxido de carbono. Além do petróleo, há no subsolo uma reserva de carbono. O petróleo é a matéria orgânica em decomposição e quando é extraído vem acompanhado do carbono que está no subsolo e que depois é lançado na atmosfera através da queima. Este processo liberta gases que provocam o efeito de estufa e consequentemente o aquecimento global. No caso dos biocombustíveis isso não acontece. No momento em que se processa a planta para a produção de combustível, o carbono que é queimado vem da própria planta (as plantas produzem-no através do sol e do ar). Ou seja, é retirado da atmosfera, e quando queimado é devolvido à atmosfera. É um ciclo que não incrementa a concentração de CO2.
Mas os biocombustíveis não garantem emissão zero de GEE...
Não. O que garantem é uma redução das emissões. Não é zero porque na produção da matéria-prima há um investimento em energia também fóssil. Quanto mais eficiente for o processo produtivo, menor é a emissão de CO2. Um exemplo para ilustrar: a cana-de-açucar nos países tropicais é a matéria-prima mais eficiente hoje em dia para a produção de álcool (bioetanol); se se pensar no rendimento que o álcool fornece, comparado com o investimento de energia que foi feito, podemos pensar em reduções de emissão de CO2 de 86-90% em relação ao uso da gasolina. Quanto ao álcool proveniente do milho, a sua queima representa uma redução das emissões de 20%. Essa diferença está relacionada com os investimentos na produção do milho: esta planta não tem a concentração de açucar que tem a cana-de-açucar e requer muito mais fertilizante e mais manutenção pelo facto de ser uma cultura anual. No final, feitas as contas, o rendimento é muito baixo comparado com o da cana-de-açucar.
E a melhor matéria-prima é a que exige menos interferências no ambiente e menor investimento?
Sim, porque quando uma cultura possui as condições naturais para o seu desenvolvimento, menos será preciso modificar o ambiente para que esta se desenvolva. Assim, menos fertilizante precisa de ser colocado, menos cuidados com as pragas e doenças, a produtividade é maior e o custo de produção menor. Esse custo é o reflexo do pouco investimento que se faz em materiais muitas vezes provenientes de combustíveis fósseis. A vantagem económica está muito ligada à vantagem ambiental.
Dar uso aos resíduos urbanos
No Brasil, a cultura mais eficiente para a produção de bioetanol é a cana-de-açucar. E em países como Portugal, onde o biodisel é o combustível com mais expressão, poderiam ser por exemplo os resíduos urbanos?
Os resíduos e não só.
Primeiro: os resíduos urbanos que se encontram nos aterros sanitários. Nestes locais existe uma queima constante de metano (CH4), que é um biogás e que pode ser usado como combustível para transportes, para aquecimento, que pode ser liquefeito; este processo ainda é pouco utilizado apesar do seu potencial. Todas as concentrações urbanas têm aterros sanitários que podem tornar-se grandes fontes de energia.
Segundo: o sebo bovino que os matadouros e os armazéns frigoríficos deitam fora, mas que pode ser aproveitado para a produção de biodisel.
Terceiro: óleos resíduais (de cozinha) que em Portugal são utilizados para produzir biodisel. Se processados adequadamente, dão um biocombustível muito eficiente, além de que se resolve a questão do que fazer com esse resíduo.
Os biocombustíveis podem substituir completamente a gasolina e o gasóleo?
Não, porque os biocombustíveis têm limitações no sentido de que competem por terra e por matéria-prima para a produção de alimentos. Esta é uma questão que já se coloca no Brasil. A produção de alimento vai ter de ser cada dia maior conforme a população vai aumentando. Por isso, nenhum país tem na sua política de fomento do uso de biocombustíveis a intenção de proceder completamente a essa substituição. Os biocombustíveis devem ser uma entre outras opções em matéria de combustíveis.
Já se fala na segunda geração de biocombustíveis. O que a distingue da primeira?
A produção de biocombustíveis de segunda geração envolve um emprego muito maior de tecnologia. No caso do álcool, vamos poder usar qualquer tipo de matéria-prima vegetal ou qualquer tipo de resíduo agrícola para a sua produção. Ou seja, depois de tirarmos os frutos das plantas - que é normalmente a parte que interessa para a alimentação -, tudo o resto pode ser utilizado para a produção de biocombustíveis. Haverá uma diversidade muito maior de matérias-primas e a produtividade daquelas em uso será aumentada. A cana-de-açucar, por exemplo: em vez de se usar somente a sacarose e outros açucares, vai ser usada toda a planta. O mesmo acontece com a planta do milho, a madeira, a palha...qualquer resto vegetal ou resíduo de fibra vegetal. Isto ainda não é uma realidade, mas será em breve.
Mudar o estilo de vida.
Na Europa, a adopção de políticas de incentivo à produção e utilização de biocombustíveis é recente. Mas o Brasil há muitos anos que investe nelas.
No Brasil, as políticas que fomentam o biocombustível têm mais de trinta anos, daí que o uso de álcool é muito significativo, representando 40% do consumo dos veículos. O álcool assume uma enorme importância na matriz energética brasileira. Se todo o mundo atingisse o consumo brasileiro de biocombustíveis, não estaríamos todos tão preocupados com o efeito de estufa. Sendo a meta da União Europeia paea 2010 de 5.75%, dá para imaginar que os 40% do Brasil representam um avanço bastante grande.
A União Europeia quer uma redução de 20% das emissões de GEE até 2020. Considera esta uma meta ambiciosa?
Enquanto não estivermos preparados para discutir e assumir uma mudança no estilo de vida, a substituição dos combustíveis fósseis em 20% já é uma meta ambiciosa. Para se atingir mais do que essa percentagem, bom...é uma questão que exige a mudança de comportamento da humanidade.
Entrevista a Catarina Pezzo, no "Noticias magazine" 18/02/2007